Polícia

Agressões em juízo em MS são três vezes maiores que a média no País

Relatório indica que as denúncias à Defensoria Pública mostram a alta na violência policial

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Issel Chaia
(Foto: Comunicação Social/TJSP)

O relatório "10 anos de Audiências de Custódia" analisa detalhadamente as 4.941 audiências realizadas na comarca de Campo Grande entre janeiro de 2024 e junho de 2025, revela dados preocupantes sobre violência policial, seletividade racial e uso excessivo da prisão preventiva.

O estudo, realizado pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio do Núcleo Criminal (Nucrim), foi elaborado para subsidiar o evento nacional que marca uma década de implementação das audiências de custódia no Brasil.

O levantamento produzido pela Coordenadoria de Pesquisas e Estudos indica que, 54,6% das prisões em flagrante foram convertidas em prisão preventiva, índice inferior à média nacional (59%), porém, indica a permanência de uma lógica punitiva.

Ainda segundo o relatório, a alta incidência de relatos de violência policial chama atenção: 15,4% dos custodiados relataram agressões em juízo e, somadas as denúncias realizadas somente à Defensoria Pública, o índice chega a 20,25%, quase o triplo da média nacional.

(Foto: Arquivo/DPMS)

Para a coordenadora do Nucrim e defensora pública, Francianny Cristiane da Silva Santos, "O que os dados revelam é que o sistema de justiça ainda falha em seu papel de controle da legalidade das prisões. A audiência de custódia foi criada para prevenir abusos e evitar o encarceramento desnecessário, mas, em muitos casos, ela tem funcionado como mera ratificação da prisão em flagrante", afirma.

Apesar do grande número de relatos de violência, o relatório indica que, apenas 1,4% das prisões foram relaxadas por ilegalidade, o que demonstra a baixa efetividade do sistema em responsabilizar agentes públicos por violações de direitos.

Para a defensora, o dado é alarmante e demanda providências institucionais urgentes: "Quando mais de 15% das pessoas relatam tortura ou maus-tratos, mas menos de 2% dessas prisões são consideradas ilegais, temos um sinal claro de falha estrutural. A violência é registrada, mas raramente gera consequências. Isso transmite à sociedade e às forças de segurança a mensagem de que a agressão é tolerada", esclarece Francianny.

O estudo também demonstra que, em Campo Grande, pessoas negras estão 59% mais expostas à prisão do que pessoas brancas, representando 64,5% dos custodiados, mesmo compondo pouco mais da metade da população local, conforme o IBGE.

O desequilíbrio, conforme o relatório, evidencia o perfilamento racial e seletividade penal. "Os dados materializam o que já observamos no cotidiano da atuação criminal: o sistema penal é seletivo, atinge com mais rigor os jovens negros, pobres e periféricos, e mantém práticas que reproduzem o racismo estrutural. Precisamos discutir protocolos antirracistas de abordagem policial e de análise judicial", pontua Santos.

A defesa em 63,5% das audiências de custódia, como sendo, mais de 3.100 casos no período analisado, foram de responsabilidade da Defensoria Pública.

A atuação da instituição contribuiu com a concessão de liberdade provisória em 2.141 casos (43,3%), reforçando seu papel como principal agente de contenção do encarceramento em massa no Mato Grosso do Sul.

“Sem a presença da Defensoria Pública, o número de prisões preventivas seria ainda mais elevado. Nossos defensores e defensoras atuam diariamente para garantir que a liberdade não seja exceção, mas regra. O acesso à defesa técnica é o que impede que o cárcere se torne a resposta automática do Estado”, destaca a coordenadora.

A intersecção entre justiça e saúde pública também foi outro aspecto sensível abordado pelo relatório. Mais da metade dos custodiados (51%) declarou fazer uso de substâncias psicoativas e 16% usam medicação controlada. Problemas de saúde mental e dependência química, conforme estudo, continuam sendo tratados com prisão, e não com cuidado. 

“O sistema de justiça está lidando com um público que demanda políticas de saúde, e não de punição. A criminalização da pobreza e do uso de substâncias apenas agrava a exclusão social. Precisamos avançar em políticas de Justiça Terapêutica e Redução de Danos, que humanizam o atendimento e reduzem a reincidência”, reforça a coordenadora do Nucrim.

O Nucrim propõe, com base nas conclusões do relatório, uma série de recomendações estratégicas, como sendo:

“A audiência de custódia é um avanço civilizatório, mas ela precisa cumprir seu papel de controle da legalidade e de proteção da dignidade humana. Os dados que levantamos não são apenas números; eles são vidas que exigem respostas concretas do Estado”, conclui a coordenadora.

(Foto: Divulgação)

Acesse, clicando aqui, o relatório "10 anos de Audiências de Custódia" na íntegra.

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