Universidade transforma de faxineiro a médico em educadores do envelhecimento humano
Experiência inédita está formando multiplicadores para ajudar população a envelhecer melhor
Eles têm mais de 45 anos e voltaram às salas de aula neste ano de 2023. São faxineiros, vendedores, assistentes sociais, advogados, donas de casa, médicos e outros profissionais -- aposentados ou não -- e estão em busca de uma nova formação, a de Educador Social do Envelhecimento Humano. O curso de dois anos é ministrado pela Universidade da Maturidade (UMA) da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) no campus de Campo Grande.
Trata-se de um projeto piloto, uma experiência inédita no Estado que aposta na ideia de formar multiplicadores de conhecimento para ajudar a população a envelhecer melhor, com mais saúde e leveza. "Queremos formar cidadãos que levem conhecimento sobre como envelhecer de forma saudável para suas famílias, vizinhos e comunidade. Eles poderão espalhar o conhecimento adquirido nos clubes de mães, igrejas, ongs e onde mais frequentarem", detalha Kátia Juliane Lopes de Oliveira, vice-coordenadora da UMA.
Dentro da universidade, especialmente na reitoria, o novo curso é visto como uma necessária contribuição para a sociedade diante do envelhecimento populacional. Em Mato Grosso do Sul, assim como no cenário nacional, a proporção de pessoas com menos de 30 anos caiu entre 2012 e 2022, enquanto o percentual de cidadãos com mais de 60 anos cresceu. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, bem como as considerações do reitor da UEMS, serão apresentados mais adiante nesta reportagem.
Uma experiência semelhante já existe na Universidade Federal do Tocantins com a qual a UEMS firmou um convênio para criar a UMA no Estado. “A UMA abre espaço para formação na maturidade. É um espaço de acolhimento e integração, por isso não recebemos somente idosos, mas a sociedade em geral. Todos nós temos que aprender nosso papel social e fisiológico no envelhecimento humano”, explica a professora Neila Barbosa Osório, coordenadora da UMA no Tocantis.
A grade curricular do curso e todas as ações são voltadas para a saúde e qualidade de vida no envelhecer. Os alunos têm aulas de primeiros socorros, noções de enfermagem, farmacologia, inglês, educação financeira, novas tecnologias, novas linguagens visuais, literatura, além de atividades como teatro e dança. O curso tem duas turmas, matutina e vespertina, com aulas três vezes por semana, quatro horas por dia. Tudo na própria UEMS e de graça.
Ao todo 120 alunos (nas duas turmas) frequentam as aulas. Para concluir o curso e receber o certificado no final da capacitação não são permitidas mais de três faltas por ano. Porém, esse é um público maduro. Os estudantes são assíduos e participativos.
Que o diga o palestrante convidado para a aula de Educação Fiscal de segunda-feira à tarde, quando o Diário Digital, visitou a turma. O experiente fiscal tributário e doutor em educação Carlos Roberto Antunes precisou responder a vários questionamentos da classe sobre a cobrança de impostos.
"Fiquei muitíssimo satisfeito com a participação. É um público muito heterogêneo em matéria de formação escolar. Porém, todos têm muita experiência de vida. Por isso, podem contribuir muito no controle social dos gastos públicos", avalia o doutor.
O aluno Jurandir José de Oliveira, de 78 anos, é médico aposentado e líder da turma no período vespertino. "Estou aqui para fugir do Alzheimer e movimentar a cabeça", responde sobre ter voltado para a sala de aula. "Preencheu o tempo que eu ficava em casa vendo filmes", completa aos risos.
Risos, aliás, são frequentes na presença de Jurandir. Comunicativo e alegre, ele afirma que o curso está preparando a turma para ajudar a quem passar pelo caminho dos estudantes da UMA. "Basta encostar em algum lugar e aí você já vai falando para o interlocutor, repassando o conhecimento", aponta.
Para Jurandir, um dos maiores ganhos pessoais obtidos no curso diz respeito às novas tecnologias e que acabam se tornando uma dificuldade para quem tem mais idade. "Aqui voltei a lidar com tecnologias. Redescobri como lidar com o celular e os novos aplicativos e posso passar adiante para pessoas da minha idade. A vida melhorou muito", revela. Está tão melhor que ele dança animadamente na roda musical no intervalo das aulas.
Na mesma roda, outra aluna, Neide Junqueira Rocha, de 54 anos, é páreo duro para Jurandir em matéria de animação. Bacharel em Direito, assessora parlamentar, instrumentadora cirúrgica em odontologia e vendedora, Neide tem um longo currículo profissional. Ela se aposentou da função de funcionária da Secretaria Municipal de Saúde, a Sesau, há dois anos.
Longe da função que preenchia seu tempo em longos plantões de trabalho, ela se viu triste dentro de casa e aos poucos estava sendo arrastada para uma depressão.
"Um dia um amigo me falou sobre a UMA. Eu decidi me inscrever. Em pouco tempo de aula e interação na universidade, minha depressão foi embora. Descobri que posso ser útil para os que me cercam. Posso transmitir conhecimentos e vitalidade para as pessoas. Foi como uma renovação de vida", afirma. "Eu descobri também que existem velhos de 20 anos e jovens de 50. Sou uma jovem que quer ajudar as pessoas", acrescenta.
Fernanda Regina Halmenschlager, de 46 anos, é assistente social e atualmente trabalha como perita social independente. Ela está na UMA em busca de se aperfeiçoar para exercer sua profissão com mais conhecimento.
"As informações repassadas aqui ajudam a entender melhor sobre o ser humano e a vida. Mais preparada, terei mais condições de contribuir", acredita Fernanda Regina que é fundadora da Ong Amor em Ação onde exerce vários trabalhos voluntários.
O aluno Antonio Cezar Arruda, de 66 anos, relata os benefícios existentes para além das aulas. "A gente aprende muito interagindo com os próprios alunos da nossa idade, mas que têm experiências diferentes. Outra coisa bacana é que temos formações diferentes, somos doutores ou donas de casa, mas estamos todos no mesmo nível no curso. Isso nos ensina muito sobre respeito ao próximo e nos prepara para levar o conhecimento a qualquer pessoa", analisa.
Com o primeiro semestre de aulas terminando, a UMA organiza a próxima grade curricular para as turmas. O professor e doutor em Liguística Nataniel Gomes, do Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ), já está escalado.
Os quadrinhos farão parte das próximas aulas, assim como imagens que ajudem os alunos a se atualizarem. "Vamos explorar a comunicação visual no mundo, trabalhando símbolos e imagens", antecipa o professor.
Avanço da população idosa - O reitor da UEMS professor Dr. Laércio Alves de Carvalho considera que com a UMA a universidade amplia suas possibilidades de contribuição social, ainda mais tendo em vista o avanço do número de idosos no Estado e em todo País.
O levantamento mais recente da PNAD do IBGE, divulgado neste mês de Junho de 2023, aponta que a proporção de idosos na população de MS subiu de 9,9% em 2012 para 12,6% em 2022 – índice que traduzido em números seria cerca de 360 mil pessoas, em um Estado com aproximadamente 2,8 milhões de habitantes.
Assim, as pessoas com 60 anos ou mais representam o terceiro maior grupo etário de MS. O quadro abaixo, extraído da PNAD do IBGE, detalha os percentuais por idade e sexo no Estado.
“O envelhecimento da população é uma realidade, por isso é muito importante trabalhar essa questão com respeito e acolhimento. A UEMS está abrindo um espaço de formação, permitindo que os idosos possam ter na educação de qualidade, uma visão humana do processo de envelhecimento", afirma o reitor.
Vale esclarecer que o ingresso desta primeira turma na UMA se deu por meio da inscrição dos interessados. Não foram impostos pré-requisitos, sendo obrigatório apenas ter acima de 45 anos. Não houve processo seletivo, assim como o curso não tem avaliações, apenas a transmissão de conhecimento. A lista de espera para a próxima turma já tem 120 pessoas. Mais informações podem ser obtidas na coordenação da UMA. O telefone é (67) 3902-2360.
UFMS é aberta a pessoas com 60+ - Outra universidade pública que tem programa voltado para pessoas idosas é a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). As ações serão realizadas na Cidade Universitária, em Campo Grande, e nos Câmpus de Coxim e de Três Lagoas.
Neste ano de 2023, foram abertas 800 vagas em várias ações, divididas em atividades de ensino, extensão, cultura e esporte. Assim como o projeto da UEMS, não é preciso ter curso superior. Qualquer pessoa com idade igual ou superior a 60 anos pode participar e sem pagar nada por isso.
As vagas são preenchidas conforme a ordem das inscrições. Vale mencionar que não há mais possibilidade de inscrições neste ano, mas uma nova turma será aberta em 2024. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail unapi.proece@ufms.br ou pelo telefone/Whatsapp 67 3345-7992.
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