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MS tem maior taxa de encarceramento de indígenas, aponta estudo inédito

Cidade de Dourados é apontada como sendo um 'presídio brasileiro' de indígenas

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Redação
Em MS, 401 indígenas estavam presos entre Janeiro e Junho de 2023 (Foto: Reprodução)

O Estado de Mato Grosso do Sul tem a maior taxa de encarceramento de pessoas indígenas do Brasil, segundo estudo inédito da Defensoria Pública apresentado nesta terça-feira, dia 16 de Abril, em Campo Grande. O levantamento aponta violações dos direitos e dignidade no sistema prisional da cidade com mais indígenas em prisões, Dourados.

“Entre eles, podemos citar que o direito à documentação básica; à identificação; ao reconhecimento étnico; à autodeterminação; intérprete e laudo antropológico”, revela o coordenador do  Núcleo de Defesa dos Povos Indígenas e da Igual Racial e Étnica (Nupiir) Lucas Pimentel.

O relatório foi produzido pela instituição por meio dos Núcleo Penitenciário (Nucrim), Núcleo de Direitos Humanos (Nudedh) e Núcleo de Defesa dos Povos Indígenas e da Igual Racial e Étnica (Nupiir) em parceria com a Defensoria Pública da União, Pastoral Carcerária, Instituto das Irmãs da Santa Cruz (IISC) e Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Dados nacionais da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), relativos ao período de Janeiro a Junho de 2023, apontaram um total de 1.226 pessoas indígenas presas no país. Neste mesmo período, o Estado de MS custodiava 401 pessoas indígenas, representando praticamente um terço.

Diante dessas informações, entre os dias 26 e 30 de Junho de 2023, a Defensoria Pública de MS, DPU e outros parceiros, promoveram, na cidade de Dourado, o mutirão de atendimento às pessoas indígenas privadas de liberdade na Penitenciária Estadual de Dourados (PED).

Estudo foi apresentado nesta terça-feira, em Campo Grande (Foto: Enryck Sena)

Presídio de indígenas - Dourados, maior município do interior do MS, é a cidade que encarcera a maior quantidade de pessoas indígenas do Brasil, conforme o estudo. Nele está localizada a reserva indígena com maior densidade populacional do Estado, cerca de 13.473 indígenas (IBGE, 2023) nos 3.539 hectares demarcados, concentrando os povos Guarani Kaiowá, Guarani Ñandeva e Terena.

Além disso, possui 15 áreas de retomada ocupadas por famílias indígenas que reivindicam a demarcação dos seus territórios tradicionais”, detalha o coordenador do Nuspen, defensor público Cahuê Duarte e Urdiales.

O quantitativo de pessoas indígenas privadas de liberdade informado pela PED na organização do mutirão era de 180 pessoas. Entretanto, o mutirão carcerário registrou o atendimento a 206 pessoas autodeclaradas indígenas. O que torna a unidade a que mais tem pessoas indígenas sem situação de cárcere do país.

“Além da subnotificação, tendo como base parâmetros nacionais e internacionais de acesso a direitos, foram constatadas outras a esses povos em privação de liberdade, como: o direito à documentação básica; à identificação; ao reconhecimento étnico; à autodeterminação; intérprete e laudo antropológico”, destaca a coordenadora do Nudedh, defensora pública Thaisa Raquel Defante.

Todas as violações foram constatadas após a aplicação individual de dois questionários com todos os indígenas encarcerados na unidade penal.

Antropóloga da Defensoria, Elis Corrado (Foto: Enryck Sena)

“Alguns não chegaram a nascer” - No estudo foi constatado que a maioria das pessoas presas pertence ao povo Kaiowá (96), Guarani (65) e Terena (26). Dos 206 indígenas atendidos, 22,3% não possuíam qualquer documento da vida civil, como certidão de nascimento, RG, CPF e/ou título de eleitor e, portanto, estavam desassistidos por qualquer política pública estatal.

“A legislação brasileira prevê que todo nascimento no território nacional deverá ser levado a registro, uma vez que este é o primeiro documento de valor jurídico da vida civil de uma pessoa e, consequentemente, assevera a sua existência para o Estado brasileiro”, pontua o coordenador do Nupiir, defensor público Lucas Colares Pimentel.

A falta de acesso ao registro civil leva as pessoas indígenas a viverem boa parte da vida – quando não toda – como invisíveis aos olhos do Estado brasileiro. “Como efeito da ausência registral, essas pessoas não possuem nenhuma outra documentação, colocando em questão, inclusive, a sua identificação e autoria do crime”, complementa o defensor.

Defensor público Lucas Colares Pimentel (Foto: Enryck Sena)

“Você é indígena?” - Outro ponto fundamental levantado no estudo é a identificação de um acusado ou réu indígena por meio da autodeclaração, que pode ser manifestada a qualquer momento do processo, inclusive na audiência de custódia.

A autoridade judicial deve questionar acerca da etnia, da língua falada e do grau de conhecimento da língua portuguesa. Na sequência, deve constar no registro de todos os atos processuais e deve ser contínua à cientificação da pessoa acusada, ré ou condenada a respeito da possibilidade de autodeclaração e das garantias decorrentes dessa condição.

No levantamento, 131 indígenas declararam que foram perguntados sobre sua etnicidade no processo de conhecimento e execução penal, o equivalente a 63,5% dos entrevistados; e 64 indígenas (31%) declararam que não foram perguntados.

O que mais chama atenção é que 166 indígenas (80,5%) declararam que não foram informados a respeito dos direitos específicos decorrentes da autodeclaração como indígena, e 24 indígenas (11,6%) declararam que foram informados.

 (Foto: Enryck Sena)

“Surdos e mudos” - Outro dado relevante foi quanto a importância da adoção de medidas que promovam o acesso à língua materna para as pessoas indígenas em privação de liberdade. Segundo o estudo, pode-se inferir que 159 indígenas, 77,2% dos entrevistados, podem não ter o português como língua primária.

“O Manual da Resolução 287/19 do CNJ recomenda que haja a presença de intérprete nos atos processuais sempre que houver informação de que a pessoa acusada ou ré tem outro idioma principal, que não o português. Até mesmo os indígenas que falam bem o português, por serem falantes também de guarani, terena ou espanhol (indígenas fronteiriços), podem enfrentar inúmeras barreiras de entendimento e compreensão no marco de um processo jurídico, o qual tem o agravante de possuir uma terminologia bastante específica e técnica”, lembra a coordenadora do Nudedh.

A partir disso, o relatório traz à tona outra problemática importante: o direito à intérprete.

O estudo mostra que 177 indígenas (85,9%) afirmaram que não tiveram acesso a um intérprete de sua língua materna durante o processo criminal e 14 (6,8%) indígenas disseram que tiveram acesso. Em 15 entrevistas não foi possível coletar dados.

Além do intérprete, outra importante ferramenta à nível do processo penal em relação a pessoas indígenas é a perícia antropológica.

Conforme preconiza o art. 6° da Resolução do CNJ 287/2019, ao receber denúncia ou queixa em desfavor de indígena, a autoridade judicial poderá determinar, sempre que possível, de ofício ou a requerimento das partes, a realização de perícia antropológica que fornecerá subsídios para o estabelecimento da responsabilidade da pessoa acusada.

 (Foto: Enryck Sena)

O laudo antropológico consiste em instrumento capaz de auxiliar na compreensão, por parte da autoridade judicial, a respeito da realidade cultural da pessoa indígena submetida à persecução penal, trazendo aos autos informações detalhadas e condizentes com o entendimento da comunidade culturalmente diferenciada a respeito de determinada situação, o objetivo é contextualizar o fato também sob a perspectiva da cultura indígena.

Nesse contexto, 188 indígenas, o equivalente a 91,2% dos entrevistados, declararam que não foram entrevistados por antropólogo durante o processo penal ou execução da pena, e 5 indígenas (2,4%) declararam que foram entrevistados.

“O laudo antropológico é um instrumento de extrema relevância por informar a identificação, a etnia e a língua falada pela pessoa indígena, bem como a sua capacidade de se comunicar em português no contexto do processo criminal, de modo que sua realização contribui para a formação da convicção da autoridade judicial”, comenta o coordenador do Nuspen.

 

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