Geral

Cotas raciais da Uerj completam 22 anos com histórias de mobilidade e reinvenção social

Pioneira no país, política afirmativa impulsiona trajetórias, inspira ajustes futuros e mobiliza ex-alunos em defesa de avanços na permanência estudantil e na redução de desigualdades

|
Sandra Salvatierre
O objetivo é ampliar a produção e a circulação de dados sobre o impacto da política, mapear percursos profissionais e fortalecer a relação da instituição com seus ex-alunos. (Foto: Fernando Frazão | Agência Brasil)

Há 22 anos, as cotas sociais e raciais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) começaram a redesenhar destinos. Hoje, mais de duas décadas após sua criação, a política segue movendo vidas, como a de Henrique Silveira, que entrou na instituição graças ao sistema de reserva de vagas e, anos depois, tornou-se subsecretário de Tecnologias Sociais da prefeitura do Rio.

“Eu tenho muita clareza de que a cota transforma”, disse ele, ao revisitar a própria história durante um encontro com egressos promovido pela universidade. Nascido em Imbariê, na Baixada Fluminense, Henrique lembrou a infância ajudando o pai em uma carroça de entrega de material de construção. O acesso ao ensino superior, disse, foi o ponto de inflexão que o tirou da informalidade e o conduziu à gestão pública.

“Eu sou o tipo de transformação que essa política é capaz de oferecer. Ela tira um menino de trás de uma carroça e coloca na universidade, abrindo uma vida inteira de possibilidades.”

A reunião de egressos, realizada na última semana de novembro, faz parte das preparações da Uerj para uma nova revisão da lei de cotas, prevista para 2028. O objetivo é ampliar a produção e a circulação de dados sobre o impacto da política, mapear percursos profissionais e fortalecer a relação da instituição com seus ex-alunos.

Pioneira entre as universidades brasileiras a implantar cotas no vestibular, em 2003, a Uerj busca agora modernizar o sistema e consolidar uma rede ativa de acompanhamento pós-formatura.

Desafios da permanência e avanços recentes

Entre os relatos revisados na reunião, a dentista Maiara Roque recordou o dia em que foi aprovada no vestibular, em 2013, e o início turbulento na universidade. Ela lembrou que, à época, a bolsa estudantil não podia ser acumulada com outros auxílios, e o conjunto de benefícios era limitado — cenário que, segundo afirmou, dificultava a permanência de estudantes negros e de baixa renda.

Hoje, com a possibilidade de acumular bolsas, como as de iniciação científica, e com políticas mais amplas de apoio, ex-alunos avaliam que as condições de permanência melhoraram substancialmente.

Debate sobre o recorte socioeconômico

Entre as discussões apresentadas na reitoria, o ativista e pesquisador David defendeu a necessidade de rever o critério de renda para ingresso pelas cotas, especialmente na pós-graduação. Para ele, o recorte atual não contempla adequadamente perfis profissionais emergentes que, embora formados, continuam enfrentando barreiras econômicas.

Ele pondera, contudo, que na graduação o debate é mais amplo e envolve desde a ampliação do limite de renda até a vinculação ao Cadastro Único de programas sociais.

Dados que estruturam políticas

Henrique, geógrafo de formação, reforçou que o fortalecimento da política depende da coleta contínua de informações sobre os egressos. “Dados são a base de qualquer política pública bem construída”, afirmou, defendendo também a simplificação dos processos de comprovação socioeconômica e o apoio a pré-vestibulares populares.

Foi em um desses cursos que viveu uma mudança subjetiva e política. “Foi ali que eu tive clareza da minha condição. No Brasil, você não nasce negro, você se torna negro”, disse. “Quando fiz vestibular em 2005, eu era um daqueles que dizia ‘não quero cota’. Ali eu entendi que o direito era meu.”

Estrutura atual das cotas

A política de ações afirmativas da Uerj está estabelecida na Lei nº 8.121/2018, que reserva:

20% das vagas para cotas raciais, destinadas a negros, indígenas e quilombolas;

20% das vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino médio na rede pública.

A legislação atual também permite o acúmulo de bolsas, ponto considerado essencial para garantir permanência e reduzir desigualdades dentro da universidade.

Um ciclo que se renova

À medida que se aproxima a revisão de 2028, a Uerj busca consolidar novas bases para sua política afirmativa — agora amparada por uma geração de egressos cujas vidas foram transformadas pela oportunidade inédita de acesso ao ensino superior.

“É uma política que muda destinos”, resume Henrique Silveira. “E, quando muda o destino de alguém, muda também o lugar onde essa pessoa pode levar sua comunidade.”

 

Veja Também

Crea-MS promove semana de eventos técnicos a partir desta segunda-feira

Plano de fiscalização e limpeza em Campo Grande

Pix bate recorde e supera 313 milhões de transações em um dia

Equipe do Seas garante apoio e passagens a família assaltada durante viagem pela América do Sul