Entidades de classe aceleram na biocausa do combustível limpo
Frota de carros não recebe mais gasolina e colaboradores ganham vale-etanol de presente, iniciativas pioneiras que estão retirando muitas toneladas de CO₂ da atmosfera
Pela terceira vez, ele comemorou na frente dos colegas de trabalho. O consultor técnico Clóvis Tolentino tem sorte e consciência ambiental. Tanto é que exibe feliz o voucher no valor de 150,00 para abastecer o carro com etanol, novamente conquistado no sorteio na firma. O presente proporciona uma economia que merece ser comemorada, porém a maior satisfação é ajudar a reduzir as emissões de gás carbônico, o CO₂, um dos gases do efeito estufa.
"Hoje em dia, as pessoas se perguntam o que eles podem fazer para ajudar o meio ambiente. Simples, elas podem abastecer o carro com etanol em vez de combustível fóssil. Assim, estarão colaborando para reduzir as emissões de CO₂, sem nem mesmo sair da rotina. No caminho para o trabalho, eu abasteço com etanol e assim faço minha parte", explica Clóvis.
O consultor técnico é um exemplo de cidadão, pena que com menos semelhantes do que a natureza gostaria. Para a maioria dos motoristas vale a regra do mais cômodo ou mais rentável. A questão ambiental ainda não é prioridade. Tanto é que 41% dos condutores brasileiros abastecem com gasolina, mesmo que tenham carros flex. O etanol tem 21% da preferência, o diesel (17%) e a gasolina aditivada (16%). Os dados são da Webmotors que divulgou pesquisa sobre o assunto em Maio deste ano.
Para quem atua no setor de combustíveis, a mudança de cenário depende do esforço da sociedade civil e do poder público em promover ações de conscientização que possam gerar mais Clóvis nos volantes dos automóveis. Também é fundamental manter o etanol em preços compensatórios nas bombas. Esta ainda é a fase na qual seria demais esperar que o consumidor pagasse mais caro para poupar a camada de ozônio. Ele certamente não faria isso.
Por outro lado, desde o ano passado, estão surgindo iniciativas práticas que já estão ajudando a limpar o meio ambiente (em muitas toneladas, diga-se!). A firma onde Clóvis trabalha, a Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul, Famasul, em Campo Grande, saiu na frente. Além de sortear mensalmente os vales-etanol aos colaboradores, aboliu o uso de combustível fóssil em sua frota de carros flex. Os automóveis só recebem etanol.
Outra importante entidade que fez o mesmo foi a Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul, a Fiems. Desde Março, toda sua frota flex só é abastecida com etanol. Houve mudanças ainda em relação aos veículos que usam diesel. Neste caso, eles estão sendo abastecidos com diesel que mistura 15% de biodiesel de origem vegetal, produzido no Estado -- de modo a usar o diesel mais limpo disponível no mercado local.
Além das duas poderosas entidades na linha de frente, outra importante ajuda para a causa é aguardada com expectativa. O governo do Estado realiza avaliação interna para adotar o uso exclusivo do etanol em seus carros flex. Por enquanto, não são divulgados números ou previsões. A possibilidade segue em análise na Secretaria Estadual de Administração, a SAD.
Essa nova gestão de combustíveis das entidades de classe, mira na economia e sustentabilidade. O Estado é o quarto maior produtor de etanol do País, atrás apenas de São Paulo, Goiás e Mato Grosso. Assim, ao mesmo tempo que incentivam a produção local, impedem o lançamento de muitas toneladas de CO₂ na atmosfera.
Nesta reportagem você vai ler:
Federação de Agricultura economizou 14 toneladas de CO₂
Na Fiems, carros só recebem etanol e diesel 'mais limpo'
Etanol é bom para o motor carro sim, explica engenheiro mecânico
Em MS, etanol é barato, mas gasolina vende quase o dobro
MS produz bilhões de litros respeitando a natureza , diz Biosul
Federação de Agricultura economizou 14 toneladas de CO₂ - O sistema Famasul, local de trabalho do Clóvis Tolentino, criou um novo mandamento ambiental obrigatório em todas as suas unidades. A frase imperativa 'Aqui só entra etanol!' está no adesivo colado nos carros da entidade e de seus colaboradores também. Desde Setembro de 2023, a Federação aboliu o uso de combustíveis fósseis na frota de carros flex, que passou a ser abastecida somente com etanol. Em Março deste ano, lançou a campanha 'Movido pelo Agro - Etanol' para incentivar o uso do biocombustível.
Até a data de 30 de Junho, foram abastecidos 14.214 litros de etanol pelos colaboradores da Federação. Com isso, considerando o lançamento da campanha em Março, a ação conseguiu impedir o lançamento de 14 toneladas de CO₂ na atmosfera. A entidade sorteia cinco vouchers de R$150, por mês, para abastecimento de veículos com etanol aos colaboradores. Vale mencionar que para participar os colaboradores precisam se cadastrar e colocar o adesivo da campanha no automóvel.
Outro sorteado na Famasul foi o analista de patrimônio Júlio Cesar dos Santos que ganhou o voucher pela primeira vez em Julho. Ele já abastecia com etanol, mas após a conscientização feita no trabalho, ampliou a lista de motivos para escolher o biocombustível. "Eu entendi que estamos contribuindo com a expansão das indústrias de etanol e ainda diminuindo a emissão de gases de efeito estufa. Dessa forma, estamos pensando não somente no presente, mas no futuro que queremos deixar aos nossos filhos e netos”, destaca.
Uma pergunta que pode estar surgindo na cabeça do leitor agora é, afinal de contas, como se calculam as emissões de CO₂ ? Como a Famasul concluiu ter poupado 14 toneladas de CO₂ em três meses? Pois bem, foi mencionado que desde o início da campanha, os colaboradores abasteceram 14.214 litros de etanol. Ao se considerar o rendimento médio de sete quilômetros por litro de etanol, o volume daria para percorrer uma distância de 99.496 quilômetros.
Com base em dados da União Nacional da Bioenergia, cada quilômetro deslocado com etanol emite 107 gramas de CO₂ equivalente (gCO2Eq/Km). Dessa forma, estima-se que o uso de etanol pelos colaboradores do Sistema Famasul permitiu uma redução na emissão de 14 toneladas de CO2Eq. A título de comparação, na mesma medida, a gasolina emite 252 gramas de CO₂.
Outra comparação interessante aponta que essas 14 toneladas, de acordo com valores do Instituto Brasileiro de Florestas, seriam equivalentes a 98 árvores com 20 anos de idade. É que a cada sete árvores, é possível sequestrar 1 tonelada de carbono nos seus primeiros 20 anos de idade.
"Quem usa o etanol consome um combustível que acumula carbono durante a produção, seja ele da cana de açúcar ou de milho. Já um combustível de origem fóssil, como a gasolina, você retira o petróleo do subsolo e emite carbono na atmosfera quando ele é usado no veículo, sem que haja acúmulo de carbono no processo. Por isso dizemos que o etanol é oriundo de uma fonte renovável", ressalta Clóvis.
O presidente da Famasul Marcelo Bertoni afirma que a campanha é mais um passo rumo aos princípios de ESG ( do inglês Environmental, Social and Governance ou traduzindo: conceitos sociais, ambientais e de governança). "O nosso estado é um grande produtor de etanol, tanto de cana como de milho. Queremos valorizar essa característica e ajudar o governo a conquistar a marca de Estado Carbono Neutro até 2030", mencionou.
Para ser considerado "carbono neutro" não se pode aumentar a quantidade de gases causadores do efeito estufa da atmosfera. Daí, o esforço do Estado em zerar as emissões e CO₂. O ousado plano foi lançado em 2016 com meta de alcançar a Emissão Líquida Zero (ELZ) a partir de 2030, antecipando assim, em 20 anos, a meta de 2050, estabelecida no Acordo de Paris.
O próprio governo do Estado, como já foi citado, avalia internamente abandonar os combustíveis fósseis a abastecer a frota apenas com etanol. Por enquanto, sabe-se apenas que a transição energética dependeria de uma modernização da frota, sobre a qual ainda não se tem dados fechados. A atitude do governo é esperada com expectativa, pois, seria mais um importante empurrão na causa, capaz de gerar grande influência.
Na Fiems, veículos só recebem etanol e diesel 'mais limpo' - Nos carros do sistema Fiems só entra etanol, ou, no caso do veículos maiores, o diesel mais limpo à disposição no mercado. A medida entrou em vigor em Março de 2024 e alcança os 183 veículos do Senai, Sesi, IEL e Fiems, ou seja todo o sistema de atendimento ao setor industrial no Estado. No ano passado, esses carros consumiram 308.940,99 litros em combustíveis.
A substituição por biocombustíveis representa uma redução de 207 toneladas de carbono emitido na atmosfera por ano, que equivale a 35,44% considerando o consumo de 2023, segundo levantamento da Coordenadoria de Patrimônio e Logística (CPL) da entidade.
O chefe de gabinete da presidência da Fiems, Robson Del Casale, espera que a medida influencie a sociedade, fazendo com que empresas também adotem o biocombustível. “É um gesto importante para levar isso para todo o setor industrial e para toda sociedade”, ressaltou. “A transição considera pontos bem importantes, afinal, parte deste etanol é produzido no Estado, gerando emprego e fortalecendo a indústria”, completa.
Os carros são abastecidos em uma rede de postos cujo etanol fornecido é 100% produzido no Estado, cumprindo o objetivo de incentivar a produtividade local. “Além disso, o diesel fornecido pela Taurus possui em sua mistura 15% de biodiesel de origem vegetal, também produzido no Estado, também contribuindo para a redução da emissão de gases de efeito estufa”, pontuou.
Parceiro do governo estadual para tornar o MS Carbono Neutro até 2030, o Sistema Fiems age também em outra frente. Atualmente, quase 100% dos prédios de Sesi e Senai fazem uso de energia fotovoltaica. Além disso, o Sistema está concluindo obras de um complexo de usinas de energia solar, no Clube do Trabalhador do Sesi, em Campo Grande. A meta é produzir até 10 MWp.
Etanol é bom para o motor do carro sim - Engenheiro mecânico e professor nos cursos de mecânica de automóveis oferecidos pelo Sesi (integrante do sistema Fiems), Daniel Damásio da Conceição, avalia que os motoristas precisam aprender a lidar com o carro a etanol pelo bem do meio ambiente.
"A gasolina é de fácil vaporização em temperaturas mais baixas. Porém, o etanol, apesar da temperatura de ignição mais alta, tem propriedades que contribuem para a melhoria do desempenho do motor, como a octanagem elevada, por exemplo. Além disso, o etanol é um combustível renovável. Devemos pensar nisso na hora de abastecer", aconselha.
Para ele, é preciso derrubar mitos segundo os quais o etanol reduz a vida útil do motor ou pensamentos do tipo. Além do mais, o professor cita ainda a questão financeira. Daniel Damásio defende que a antiga regra do 70% não deve ser levada a ferro e fogo atualmente. "Hoje, isso varia muito, pois depende do perfil de direção do motorista e a tecnologia embarcada no veículo", pondera.
Entretanto, no consenso geral, é estabelecido que o etanol é vantajoso quando seu preço for 30% mais barato ou, em outras palavras, custar até 70% do valor da gasolina. O que fundamenta tal linha de pensamento é que a eficiência da gasolina seria 30% maior do que a do etanol, segundo entendimento dominante.
Se alguém ainda desconhece a regra, o cálculo é simples. Basta multiplicar o valor da gasolina por 0,7 e comparar com o do etanol — que deve ser menor que o resultado da operação para valer a pena. Então, se a gasolina está R$ 4,00, o preço máximo que deve ser pago pelo etanol é R$ 2,80.
"Admitindo que a gasolina dure mais tempo em razão de vários fatores, o que o motorista vai precisar fazer é parar no posto para abastecer mais vezes. Porém, o que está em questão é um futuro com mais saúde para todos e o favorecimento à economia nacional, já que Mato Grosso do Sul e mesmo o País são grandes produtores de etanol", opina Daniel.
Em MS, etanol é barato, mas gasolina vende quase o dobro - Como se viu, em MS, o etanol realmente é mais barato. Contudo, as vendas da gasolina ainda representam quase o dobro do etanol. De Janeiro a Junho de 2024 foram comercializados nos postos do Estado 341,7 milhões de litros do combustível fóssil, contra 183,9 milhões do biocombustível, segundo dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Fazenda, a Sefaz.
Contudo, as vendas do etanol cresceram. No primeiro semestre de 2023, foram comercializados 65,2 milhões de litros do produto, ou seja, em 2024, vendeu-se 181,9% mais. Ao contrário do que ocorreu com a gasolina, cujas vendas caíram 17% neste ano, na comparação com 2023, quando se comercializou 441,9 milhões de litros. De forma que foram 70,2 milhões de litros a menos.
Conforme a Sefaz, os aumentos dos preços da gasolina nas refinarias empurraram os consumidores para o etanol, causando essa diferença entre os primeiros semestres de 2023 e 2024. Somente um impacto no bolso para tirar os motoristas do comodismo de sempre. Se não for assim, eles permanecem com a gasolina.
Nos postos de combustíveis, uma rápida enquete feita com motoristas de veículos flex encontrou respostas do tipo: "Que eu saiba o álcool consome mais, por isso não uso." "Gasolina rende mais, não quero abastecer muitas vezes." "Dá mais potência no carro." "Como quero acelerar mais, vou de gasolina." E por aí vai.
Ninguém mencionou qualquer preocupação ambiental espontaneamente. Não é ela que conta na hora de abastecer. Houve ainda quem dissesse que a “indústria automotiva ainda precisa aperfeiçoar para que o motor do carro flex tenha o mesmo desempenho com gasolina e etanol.” Mesmo que tenha algum fundo de verdade nisso, a poluição ao meio ambiente é um fator completamente ignorado.
Em busca de entender a preferência dos motoristas de forma anônima e estimulada, o Diário Digital colocou no ar, na última semana de Julho, uma enquete com a seguinte pergunta: Ao abastecer o carro, você escolhe o combustível que?
Foram oferecidas cinco opções de respostas (para uma única escolha)? 1 - Que tenha maior rendimento; 2 - Que seja menos poluente; 3 - Que compense financeiramente; 4 - Que garanta melhor desempenho do motor e 5 - Não sei dizer.
O resultado, dentro do esperado, mostrou que o condutor escolhe o que compensa financeiramente para si próprio, ignorando a questão ambiental. Confira abaixo:
MS produz bilhões de litros respeitando a natureza , diz Biosul - Em Mato Grosso do Sul, o setor sucroenergético tem grande importância na economia local. São 35 mil empregos diretos e, ao menos, 100 mil indiretos, considerando todo o ciclo de produção das 22 usinas instaladas em 13 municípios, produzindo o etanol hidratado (o da bomba) e o etanol anidrido (misturado à gasolina).
Os dados acima são da Associação dos Produtores de Bioenergia de MS, a Biosul, entidade que representa o setor. Diante destes números, fica ainda mais claro que o interesse econômico tem peso relevante na iniciativa das entidades de classe que aboliram combustíveis fósseis. Mas, ao mesmo tempo, o etanol é o principal tipo de energia renovável produzido no Brasil e cuja disseminação favorece e muito a questão ambiental.
"Hoje, o próprio setor das usinas é muito atento à questão ambiental. Elas aproveitam os subprodutos para gerar energia, quase nada se perde. Além do mais, a expansão do plantio de cana só é possível em pastos degradados. Não se pode entrar em novos biomas. Ou seja, é um setor que hoje produz um combustível que pode aliviar o meio ambiente das emissões de gases poluentes sem agredir a natureza", defende o presidente da Biosul Amaury Pekelman.
A Biosul é parceira fundamental nas ações desenvolvidas pela Famasul e Fiems. Para Amaury Pekelman, é preciso conscientizar a população sobre as vantagens ambientais do etanol frente aos combustíveis fósseis e de sua relevância para a economia regional e nacional, o que, segundo ele, ainda é desconhecido do grande público.
"Em MS, as usinas produzem 2,8 bilhões de litros de etanol por ano, mas o consumo beira os 360 milhões de litros, ou seja, localmente só se compra 12% do biocombustível fabricado aqui. O restante é vendido fora do Estado. Temos muito espaço para ganhar aqui e no País inteiro. Só precisamos agir neste sentido", aposta.
Conforme o dirigente, o governo estadual ajuda o setor com incentivos fiscais. Segundo ele, os preços do etanol praticados no Estado, considerados vantajosos, refletem a ajuda do Poder Público. A pesquisa mais recente do Procon-MS realizada no final do mês de Julho de 2024 apontou que o biocombustível é vendido pelo preço médio de R$ 3,78, sendo o valor mais baixo de R$ 3,64 e o maior R$ 3,99. Já a gasolina comum tem valor médio de R$5,75, sendo R$ 5,59 o menor preço e R$ 5,99, o maior.
Quem se dedicar a fazer o cálculo do 0,7 ensinado parágrafos acima vai constatar a vantagem do etanol sobre a gasolina. Mesmo assim, tal multiplicação na calculadora comum só consegue apontar o resultado financeiro da escolha. Se você deseja conhecer o ambiental pode dispor de outra calculadora, a da qualidade do ar, desenvolvida pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia, a Unica, e disponibilizada neste link.
Nesta máquina digital, você coloca a quantidade de litros de combustível que consome por mês, e ela te responde qual a emissão em CO₂ você fará neste período para duas opções de combustível, etanol e gasolina comum, sendo apontada ainda quantidade de emissão evitada se escolher o biocombustível em vez do fóssil.
Veja abaixo o resultado para o consumo de 50 litros de combustível por mês e ano:
Continuando com a Biosul, a entidade tem perspectivas otimistas para o mercado do etanol, tanto que está apoiando três novos projetos no setor de usinas no Estado. Amaury Pekelman é um executivo dedicado ao progresso do setor sucroenergético, por acreditar que esta é a fonte renovável certa para o Brasil que já tem grande estrutura nesta área.
"Esse é o futuro do Brasil, o etanol. Há países que apostam alto no carro elétrico, como a China que está popularizando este modelo. De fato, com ele (carro elétrico) é zero emissão de CO₂ e zero ruído também. Nas avenidas chinesas, o trânsito é silencioso (...) Porém, o Brasil, caso queira encher as ruas de carros elétricos, precisaria se aparelhar para isso, seria necessário implantar uma infraestrutura de carregamento que não temos. Isso demandaria um investimento de ao menos 200 bilhões de dólares, enquanto que para o etanol já temos os postos de combustíveis para abastecer, na verdade já temos tudo", opina.
Amaury Pekelman é do time dos que acreditam que combinar etanol com eletrificação nos veículos é uma solução viável a curto prazo, quando o assunto é descarbonização. Estudos já citados na imprensa nacional apontam que as emissões de carbono são menores em carros eletrificados se movidos a etanol do que os puramente elétricos, considerando a matriz elétrica limpa do Brasil.
Um trabalho da Unicamp, por exemplo, mostrou que o ciclo de vida do carro híbrido movido a etanol, com rendimento de 12 km/l com etanol, emite menos gases de efeito estufa do que um carro elétrico, considerando que a bateria dure 200 mil km -- isso porque as emissões dos elétricos ocorrem principalmente na fabricação da bateria e na recarga deles na rede elétrica. Dessa forma, o veículo a etanol -- do nascimento à morte -- tem uma pegada de carbono menor que a do carro elétrico, por causa das baterias.
Quem examina a questão de perto, aponta os veículos flex como os mais adequados para preservação do meio ambiente e que a indústria deverá oferecer várias tecnologias diferentes para contribuir com a descarbonização. No início do ano, Christopher Podgorski, CEO e presidente da Scania Latin America, ganhou manchetes em vários portais da internet ao afirmar, durante um evento em São Paulo, que "o futuro não será só elétrico, mas eclético."
Nesta reportagem você vai ler também:
Campanha da Unica conseguiu aumentar consumo de etanol em 60%
Produção de biocombustíveis gera 10 mil empregos na Atvos
Histórico, modelo do primeiro carro a etanol ainda circula nas ruas
Confira dicas para tornar seu veículo menos poluente
Campanha da Unica conseguiu aumentar consumo de etanol em 60% - A União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia, Unica, lançou, em Janeiro deste ano, uma campanha nacional para incentivar o consumo de etanol. Batizada de 'Vai de Etanol', a ação teve peças publicitárias em rádio e televisão, além de presença nas redes sociais com o envolvimento de influenciadores digitais.
Conforme Patrícia Audi, diretora executiva da Unica, desde o lançamento da ação o consumo de etanol avançou 60% no País. Segundo ela, a Unica decidiu fazer a campanha após constatar, através de pesquisas, o total desconhecimento do brasileiro em relação ao etanol e ao impacto dos combustíveis fósseis na natureza.
A ação trouxe à tona informações ainda desconhecidas do grande público como o fato de que o uso de etanol reduz em até 90% as emissões de gases de efeito estufa. Em média, com etanol são emitidas 30 gramas de CO2eq por quilômetro rodado. Já com a gasolina, o valor salta para até 130 gramas de CO2eq por quilômetro rodado.
No vídeo abaixo, gravado exclusivamente para o Diário Digital, a executiva fala sobre a jornada para conscientizar a população e ainda fazer crescer as vendas do biocombustível no Brasil.
O último número apurado pela Unica aponta para o consumo de etanol hidratado em 16,3 bilhões de litros por ano, contra 46 bilhões de litros de gasolina comum. Na safra 23/24, a produção de etanol no Brasil foi de 35,9 bilhões de litros, volume que permite exportar o produto. Foram 2,55 bilhões de litros vendidos para fora do País na safra 23/24, tendo como principais destinos Coreia do Sul, Estados Unidos e Holanda.
Vale mencionar que aproximadamente 1.200 cidades estão envolvidas no cultivo da cana. O Setor tem PIB aproximado de US$ 40 bilhões, cerca de 2% do PIB brasileiro e gera 2,2 milhões de empregos diretos e indiretos.
Produção de biocombustíveis gera 10 mil empregos na Atvos - Percorrer usinas em Mato Grosso do Sul pode render uma bela oportunidade de visitação. O cenário é bonito a qualquer hora do dia, principalmente quando se consegue preservar a natureza nas proximidades. Na Usina Eldorado, de propriedade da Atvos em Rio Brilhante (MS), por exemplo, qualquer ângulo rende uma boa imagem.
A unidade é uma das três do grupo em Mato Grosso do Sul. As outras duas estão em Nova Alvorada do Sul e Costa Rica. Juntas, elas têm capacidade de produzir 1,2 bilhão de litros de etanol, volume suficiente para abastecer 21,1 milhões de veículos. Para tanto, a empresa cultiva cerca de 200 mil hectares de cana-de-açúcar em MS.
"Nossa matéria-prima principal é a cana-de-açúcar, que gera subprodutos e não resíduos, seguindo um ecossistema de economia circular a partir da geração de energia limpa e 100% renovável. Além disso, pela natureza do próprio negócio, captura gás carbônico da atmosfera a partir dos milhões de hectares de canaviais. Temos planos de ampliar nosso portfólio com a produção de etanol de milho", revelou a Atvos em comunicado de sua diretoria encaminhado ao Diário Digital.
Outra novidade revelada ao site, é que a cana-de-açúcar cultivada para as usinas terá um novo aproveitamento. A Atvos vai construir a primeira fábrica de biometano a partir de resíduos da cana-de-açúcar. A unidade, que ficará localizada em Nova Alvorada do Sul, deve receber investimentos superiores a R$ 350 milhões.
"A nova operação, que utilizará insumos como a vinhaça e a torta de filtro, resultantes da cadeia produtiva da cana, ocupará uma área de 150 mil metros quadrados e terá capacidade instalada de 28 milhões de metros cúbicos de biometano", detalha a empresa.
MS é considerado estratégico para a Atvos, por favorecer a logística, já que está no coração do Brasil, e ainda pelas características climáticas que beneficiam a cultura da cana-de-açúcar. A empresa que tem instalações no Estado há 18 anos pertence atualmente ao fundo árabe Mubadala Capital, ou seja, os sheiks do petróleo investem em combustível limpo, como forma de diversificar os negócios e miram as terras brasileiras.
Aliás, há quem considere o etanol o novo petróleo, e o Brasil a nova Arábia Saudita, dada sua posição competitiva na produção de biocombustíveis. MS é relevante nesse negócio que, por aqui, cresce e gera muitos empregos (e inclusão). A Atvos gera 3,8 mil empregos diretos e cerca de 8 mil indiretamente apenas em MS. Um diferencial da empresa que já ganhou destaque várias vezes na mídia regional foi a capacitação da mão de obra feminina para postos anteriormente dominados apenas por homens.
Que o diga Eliana Pereira de Lima, de 27 anos, esposa, mãe de dois adolescentes e operadora de máquinas agrícolas. A história dela viralizou em reportagem especial, do Diário Digital, para o Dia da Mulher no ano de 2022. Sob o título, Mulher, mãe de família e tratorista sim senhor!, a matéria destacou a mulher que não tinha qualquer experiência na área, mas após passar por um curso da empresa descobriu-se completamente à vontade operando um trator.
A Atvos está descobrindo outras 'Elianas' Brasil afora em cursos específicos para mulheres. Atualmente, a Atvos emprega 10 mil pessoas diretamente nas oito unidades agroindustriais no País localizadas em Goiás (cidades de Caçu, Perolândia e Mineiros); São Paulo (capital e Mirante do Paranapanema); Mato Grosso (município de Alto Taquari) e Mato Grosso do Sul (cidades de Rio Brilhante, Nova Alvorada do Sul e Costa Rica).
Ao todo, a empresa contabiliza 500 mil hectares de canaviais e como qualquer agroindústria, a Atvos quer sim produzir mais. Porém, isso não significa, avançar para áreas de mata preservada.
"Nossa capacidade é tamanha que podemos aumentar a produção de biocombustíveis em cinco ou seis vezes sem derrubar uma única árvore, apenas aproveitando grandes porções de terras degradadas no país, que chegariam a 150 milhões de hectares. Todos esses componentes posicionam o Brasil como uma das principais potências para liderar a transição da matriz energética em escala global, uma vez que já somos reconhecidos internacionalmente por termos uma das matrizes mais limpas do mundo."
Além de biocombustíveis, a Atvos produz açúcar VHP (bruto) e energia elétrica limpa por meio da biomassa da cana-de-açúcar. A partir desta matéria-prima, a companhia tem capacidade para produzir por safra cerca de 3,3 bilhões de litros de etanol, que podem movimentar 58 milhões de carros compactos; 750 mil toneladas de açúcar VHP, volume capaz de adoçar as vidas de milhões de famílias após refinado.
Além disso, com a matéria prima é possível cogerar aproximadamente 4,2 mil GWh de energia elétrica a partir de biomassa, suficiente para abastecer uma população de mais de 20 milhões de pessoas. A empresa é ainda uma das principais emissoras de Créditos de Descarbonização (CBIOs) do País.
Assim como as entidades de classe mencionadas no início desta matéria, a Atvos também incentiva seus colaboradores a usarem etanol. "Esse tema está presente diariamente na rotina de trabalho deles no campo, na indústria e nos nossos escritórios em Goiás, São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde estão localizadas nossas oito unidades agroindustriais."
A Atvos aposta na disseminação do conhecimento para levar a sociedade a reduzir o consumo de combustíveis fósseis e aumentar o de biocombustíveis. A empresa foi uma das grandes incentivadoras da campanha 'Vai de Etanol', da Unica, desde a sua concepção. "Cada vez mais é urgente e necessário acelerar a substituição dos combustíveis fósseis por biocombustíveis para a redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa", pondera.
Histórico, modelo do primeiro carro a etanol ainda circula nas ruas - O Fiat 147 ainda circula em ruas de cidades brasileiras, inclusive, em Campo Grande (MS), onde chama atenção pela antiguidade e aparência simpática. O modelo é parte importante na história automotiva brasileira. O carro foi o primeiro modelo fabricado no Polo Automotivo de Betim e, também, o primeiro automóvel a etanol produzido em série no mundo. Neste ano, a Fiat celebrou 45 anos desse feito.
A primeira unidade do modelo faz parte do acervo de clássicos da Fiat e é um marco da engenharia automotiva brasileira. Em 1979, mais precisamente no dia 05 de Julho daquele ano, a Fiat do Brasil lançava o primeiro carro movido a etanol produzido em série no mundo, o Fiat 147. Apelidado carinhosamente de "Cachacinha", devido ao odor característico exalado pelo escapamento, o modelo é um marco importante para a engenharia automotiva brasileira, que intensificou o foco no desenvolvimento de tecnologias para veículos mais eficientes e menos poluentes.
“O Fiat 147 é um ícone que marcou a vida de milhares de brasileiros. Mais do que isso, ele entrou para a história da indústria automotiva ao ser o primeiro modelo com motor a etanol no mundo produzido em série. Seu legado se estende até hoje com a tecnologia dos motores flex, que está presente na maioria da frota brasileira de veículos leves. O etanol se consolidou como protagonista no processo de descarbonização no País por ser um combustível extremamente eficiente em emissões quando considerado o ciclo de vida completo do automóvel”, destaca Alexandre Aquino, vice-presidente da Marca Fiat para a América do Sul.
Para a época, ele trazia uma série de inovações, como motor em posição transversal, coluna de direção retrátil, pneus radiais, para-brisa de vidro laminado e o estepe dentro do compartimento do motor, aproveitando melhor o espaço. A pesquisa para produção deste carro começou três anos antes, em 1976, motivada pela primeira crise do petróleo e pelo programa Programa Nacional do Álcool (ProÁlcool) que incentivou a produção do etanol a partir da cana-de-açucar.
O teste definitivo para a criação do primeiro motor brasileiro a etanol foi realizado em Setembro de 1978. O primeiro Fiat 147 viajou 12 dias e 6,8 mil quilômetros pelo País, com média de mais de 500 km diários, três mil quilômetros por terra e variações climáticas superiores a 30 graus.
Apesar do sucesso na época, os anos posteriores não foram como se esperava. O preço do petróleo caiu e o do açúcar subiu. Assim, os produtores de cana preferiram investir em açúcar em vez de etanol. Houve desabastecimento e o etanol perdeu terreno no País.
A popularidade do biocombustível só começou a ser restabelecida a partir da década de 1990, quando a indústria automotiva começou a desenvolver a tecnologia flex. Os primeiros veículos equipados com motor flex produzidos no Brasil – Volkswagen Gol e Polo e Fiat Palio – chegaram ao mercado em 2003.
Hoje, 21 anos depois, os veículos flex atingiram participação recorde de 76,2% na frota circulante brasileira, segundo números do relatório anual do Sindipeças divulgado em Abril deste ano.
Já a Fábrica de Betim, passados 45 anos da histórica experiência do Fiat 147, recebe investimentos pesados para se tornar motores “Bio-Hybrid” ou híbridos flex para futuros lançamentos da empresa. Serão “motores flex de alta eficiência, baixas emissões, e que serão associados às tecnologias de hibridização”. Somente para essa área, foram investidos R$ 454 milhões.
Confira dicas para tornar seu veículo menos poluente - Enquanto você ainda não tem um carro com motor híbrido flex com emissões zero, é possível adotar medidas para torar seu veículo menos poluente. A primeira delas, nem precisa estar na lista, pois é assunto da matéria inteira: escolher o combustível certo. Porém, abaixo você confere outras dicas relacionadas à mecânica de veículos que podem ajudar.
Economize combustível, fazendo as revisões periódicas indicadas pelo fabricante.
Mantenha os pneus sempre alinhados, sendo ideal alinhar de 5 em 5 km.
Faça rodízio dos pneus, primeiro porque prolonga vida útil, e economiza combustível.
Faça manutenção preventiva; isso evita falhas de ignição levando à economia de combustível.
Rode com os pneus sempre calibrados e sempre atente para a quantidade de libras colocada.
Evitar congestionamentos, pois eles fazem gastar mais combustível.
Não deixar o tanque na reserva, pois os bicos injetores ficam entupidos por resíduos do tanque
Evitar arrancadas e não esticar muito as marchas.
Equipe Diário Digital
Produção, reportagem e edição - Valdelice Bonifácio
Fotografias - Luiz Alberto
Edição de vídeo - Pedro Fursts
Apoio logístico - Bartolomeu Filho, Fábio Nogueira e Jurimá Mendonça
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