Centro virou símbolo de abandono, afirma CDL
Mesmo após um investimento de mais de R$ 60 milhões na revitalização da Rua 14 de Julho, o cenário atual é de completo abandono


Calçadas quebradas, fachadas pichadas, estabelecimento fechados e canteiros malcuidados. Essa é a paisagem na área central de Campo Grande (MS), onde são várias as imagens de abandono. A abertura de novas empresas na cidade despencou para o pior patamar em ao menos sete anos, segundo dados coletados pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) da Capital.
Os números mostram que, entre Janeiro e Abril de 2025, apenas 826 novos CNPJs foram registrados na capital sul-mato-grossense. Em 2018, no mesmo período, haviam sido abertas 3.439 empresas — uma queda de 75,9%. A comparação entre os anos mais recentes também chama atenção: houve redução de 21% em relação a 2024 e de 35% na comparação com 2023.
O setor mais atingido foi o comércio, que historicamente concentra a maioria das novas aberturas. Em 2018, foram 1.971 registros. Este ano, até abril, o número caiu para apenas 302. No segmento de serviços, a retração também foi severa: de 1.439 para 432 empresas. A indústria, que já tinha números pouco expressivos, praticamente desapareceu da estatística de novas constituições.
Para o presidente da CDL Campo Grande, Adelaido Vila, os dados não podem ser analisados isoladamente. Segundo ele, o declínio da atividade empresarial na cidade é consequência direta de um processo contínuo de abandono urbano, com efeitos que vão além da economia. “O que estamos vendo é a materialização da teoria das janelas quebradas. Quando o poder público negligencia o espaço urbano, permite que a desordem se instale. Isso cria um ambiente propício para a criminalidade e para o afastamento da atividade econômica”, afirma.
A teoria citada por Vila, desenvolvida nos Estados Unidos nos anos 1980 por James Q. Wilson e George Kelling, defende que pequenos sinais de desleixo, como lixo acumulado, prédios deteriorados e falta de manutenção, desencadeiam um processo de degradação social, aumento da violência e perda de controle sobre o espaço público. “Campo Grande está vivendo essa teoria na prática”, reforça.

O reflexo mais evidente está no centro da cidade. Mesmo após um investimento de mais de R$ 60 milhões na revitalização da Rua 14 de Julho, o cenário atual é de completo abandono. Canteiros mal cuidados, equipamentos urbanos depredados, lixo espalhado e imóveis comerciais fechados são hoje a realidade da principal via de comércio da capital.
“A revitalização virou uma maquiagem sem manutenção. Não basta fazer uma obra e entregar para foto oficial. O que falta é um programa contínuo de cuidado com o espaço público, de incentivo à atividade econômica e de proteção social. Hoje, o único braço do Estado que chega ao centro é o da polícia. E ela, sozinha, não tem condições de resolver um problema que é estrutural”, critica Adelaido.
Segundo ele, a criminalidade é apenas o sintoma mais visível de uma doença mais profunda. “Quando não há limpeza, assistência social, atendimento em saúde, políticas habitacionais, tudo desaba. O empresário fecha as portas, o consumidor desaparece e o centro se torna um território hostil. O problema é muito mais amplo do que segurança pública”, avalia.
A CDL aponta que o impacto do abandono urbano na economia local já pode ser medido: mais de 40% das empresas do centro encerraram suas atividades nos últimos anos. “O comerciante está pagando impostos, tentando sobreviver, mas não tem a mínima condição de competir com um ambiente tão hostil. Quem vai investir numa rua suja, mal iluminada e insegura?”, questiona o presidente.
Vila também alerta para o risco de naturalização do problema. “Estamos nos acostumando a ver o centro assim. Mas não podemos tratar isso como normal. O abandono público é uma escolha de gestão. E a falta de políticas integradas entre Prefeitura e Governo do Estado agrava ainda mais o cenário”, afirma.
O presidente defende que a solução passa por uma abordagem multidisciplinar, que envolva urbanismo, assistência social, saúde pública, segurança e desenvolvimento econômico. “A resposta não é apenas mais policiamento. O policial não pode limpar rua, reformar imóvel, atender dependente químico ou fazer política de inclusão social. Enquanto os gestores públicos não entenderem isso, a cidade vai continuar perdendo empregos, investimentos e qualidade de vida”, completa.
A CDL Campo Grande pretende levar o debate para outros fóruns, chamando a sociedade civil, entidades empresariais e os poderes públicos para discutir soluções efetivas. “É hora de enfrentar o problema com a seriedade que ele exige. Não podemos continuar chamando a polícia para resolver a falta de gestão”, finaliza Adelaido Vila.
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